Ghiggia sendo homenageado no Maracanã, em 2009. Fonte: Terra Esportes.
Neste 16 de Julho, o qual poderia ser uma data qualquer, mas, ao contrário, faz hoje exatamente 65 anos do Maracanazo, a primeira e mais dolorosa, por muito tempo, derrota brasileira, não fossem a Tragédia do Sarriá, em ´82, e o vexaminoso, indecoroso placar de 7 X 1 da Alemanha, também em terras tupiniquins.
Curiosamente, as mais dolorosas derrotas brasileiras advém muito mais do “salto alto” da Seleção do que propriamente da capacidade dos seus algozes, mesmo que estes tenham tido méritos, e muitos, na vitória sobre nós. Em ´82, a Seleção, tida como o melhor elenco brasileiro da história, não acreditava mesmo que a Itália pudesse nos superar, mesmo em se tratando da Itália, a qual, via de regra, sempre começa bem mal e depois engrena; levamos uma aula de aplicação. Paolo Rossi destroçou a nossa empáfia. Fez, de novo, uma nação chorar, como em ´50. Aquela derrota influenciou, negativamente, o mundo inteiro do futebol. Todas as Seleções passaram a jogar mais defensivamente, de um modo ou de outro.
A recente vergonha, a dos sete a um, bem, para um time dependente de gênios, quando o gênio não joga, não tem muito o que explicar. Não que se considere Neymar um gênio, mas neste futebolzinho que estamos a praticar, ele se sobressai, claro. Experiências são sobejas para demonstrar que, no futebol moderno, com o jogo eminentemente coletivo, não há heróis. Quando se insiste nisso, dá-se o vexame. O ruim da história é que o vexame não serviu para mudar nada, dentro e fora dos estádios.
Reportando-nos à época do Maracanazo, grande parte da derrota brasileira se deveu à soberba brasileira. Jogávamos em casa, tínhamos vencido todos, logo, seríamos imbatíveis, certo? Errado. Era um jogo como outro qualquer, onde os dois contendores fizeram por merecer disputar o título; se ninguém acreditava no Uruguai, eles o faziam. “Não é, Guigjia; heim, Schiaffino“?
O país estava todo em festa. O jogo era mera formalidade. Questão de tempo, para açambarcar, de vez, a Jules Rimet.
Ghiggia, o lutador
Seleção uruguaia posa para a foto do jogo. Fonte: Wikipedia.
Brasil fizera 1 a zero, com Friaça. Quase duzentas mil pessoas embevecidas. Maracanã lotadíssimo. Ghiggia (★ 22 de Dezembro de 1926 — ✝ 16 Julho 2015), que, apesar de não ser brasileiro, não desistia nunca, deixa Bigode para trás, catando moscas, invade a área e cruza para Schiaffino empatar. Como o resultado ainda dava o título, pela campanha superior, do Brasil, ninguém viu nada demais. Ghiggia continuou azucrinando a zaga brasileira, para infortúnio de todos, e do Bigode, claro.
Restando 11 minutos para o apito final, Ghiggia avança novamente pela direita, troca passes com Julio Pérez; driblou Bigode, de novo. Ghiggia percebe que o goleiro Barbosa tentou antecipar a jogada e chuta no contrapé deste, para silêncio geral. Gol do Uruguai. Locutores no Brasil, como autômatos, falam, com voz distante: Gol do Uruguai.
O grande Ghiggia costumava dizer, quando perguntado sobre a importância do seu feito:
“Apenas três pessoas calaram o Maracanã: o papa João Paulo II, Frank Sinatra e eu“
Ghiggia homenageado, com muita justiça, mundo afora, e aqui, Bigode e Barbosa a servirem de bodes expiatórios. Barbosa só se livraria da toda a sorte de insultos, insinuações e grosserias, ao morrer, em 2000.
Aliás, daqueles vinte e dois combatentes de 1950, só restava o próprio Ghiggia, o remanescente que nos deixa hoje. Estão todos mortos. São história. Lindíssima história de honra e glória no ludopédio.
Além de muitas outras honrarias e comendas, Alcides Ghiggia foi condecorado com a Ordem do Mérito da Fifa pelos serviços prestados ao futebol. Esteve aqui, em 2009, para ser homenageado como o centésimo notável a colocar os pés na Calçada da Fama do Maracanã. Disse, na ocasião:
““Nunca pensei que seria homenageado aqui. Estou bastante emocionado. Meus sinceros agradecimentos ao público. Desejo muitas felicidades no Ano Novo, e viva o Brasil!”“
Acredite-se que Ghiggia não vai será esquecido jamais. Brilhará para sempre na constelação dos deuses do futebol. E que, quem aprecia, mesmo, o futebol, jamais o verá como vilão ou carrasco do Maracanazo. Pelo contrário. Será sempre referenciado como ídolo. Temos muito a nos mirar no seu exemplo. Na sua persistência. Em acreditar que somos nós que devemos fazer a história.
Descanse em paz, grande Ghiggia. O futebol agradece pelo seu feito.