A Montanha Dos Sete Abutres — 1951 — A Tragédia como Mercadoria da Audiência

Montanha dos Sete Abutres
Publicado originalmente no Cinema É A Minha Praia, a quem agradecemos, novamente, na pessoa da gentilíssima Valéria Miguez.

A Montanha Dos Sete Abutres — Um filme à antiga, literalmente. Não só na ambiência Noir. Do tempo em que não se fazia filme para bilheteria. Filme com mensagem, filme com moral a ser decodificada no transcorrer da trama. Antecipando e até demarcando o Noir, o mestre Billy Wilder nos brinda com um filme denso, soturno (sem fazer qualquer rapapé para com o estilo homônimo francês), gris, antecipatório até, do que se adviria, quando do domínio da imagem sobre a palavra. Outros diretores tentaram, como em O Abutre, discutir a mídia e seu poder sutil e ao mesmo tempo eficaz, massacrante. Síndrome da China, documentário com cara de filme, ou o contrário, tenta também nos mostrar este poder desmedido, aqui, pior, pois mesclado com interesses bélico-midiáticos. Uma mistura explosiva, literalmente. Jane Fonda e Jack Lemon, como sempre, arrasam. Monstros. O mais novo, e nem por por isso menos contundente O Abutre nos mostra aonde vão a ganância e afã de produzir não-notícias e como a manipulação midiática não conhece limites.

a-montanha-dos-sete-abutres_1951_01Voltando ao filme do magistral Wilder, menos não se poderia dizer do assustadoramente talentoso Kirk Douglas. O velho matriarca segura a trama do início ao fim, como só os sagrados do cinema o fazem; no papel do fracassado Chuck Tatum, sujeito muito bom no que faz, mas de temperamento forte, por isso demitido N vezes e tendo aquela que parece ser sua última chance. Tatum, num daqueles platôs do trabalho, onde não se tem o que dizer, vai ao deserto cobrir uma corrida de cascavéis. Leste certo. Não. Não era uma corrida de tatus, tão ao gosto do estadunidense, nem um trocadilho infame com o nome do personagem. Corrida de cascavéis. Isso! Num átimo, a trama muda, pois, ao parar para abastecer, ele e seu parceiro de jornada descobrem a história de Leo Mimosa, tentando encontrar relíquias indígenas, se mete num buraco de uma mina e fica encalacrado. Tatum já tem o “furo”. A oportunidade é esta. Esqueçam as meninas peçonhentas.

a-montanha-dos-sete-abutres_1951_03A partir daí, o filme ganha a musculatura pretendida pela direção e pelos roteiristas. Suspense. Apresentação dos caracteres da cidadela desértica com seus tipos humanos. Em todos os sentidos. Não é mais uma trama sobre cascavéis ou de onde o mais emocionante é uma bola de capim seco a rolar ao sabor dos ventos. Dramas humanos. Os interesses conflitantes vêm à tona; os que querem a liberação do infeliz, que só pode usar as mãos para se comunicar com o mundo à sua volta, e definha, já que não há como obter alimento ou água, a não ser pelo buraco onde, com gestos, ele fala ao mundo, os que não querem de jeito algum a soltura do garimpeiro, o próprio Chuck Tatum, nem Lorraine, esposa do infeliz Leo, pois, caso do Chuck, estamos falando em mídia. Audiência, no caso, é o que importa. Os que estão se lixando e os que querem aproveitar a deixa para sair daquele buraco de cobra, literalmente. Ir para a cidade grande, tentar carreira empreender algo, caso Lorraine, que não almeja nada que não seja sair de perto de Leo e viver a aventura da cidade grande. Cite-se ainda a completa desilusão, com o mundo e com a própria carreira, de Herbie Cookie, “parça” de Chuck Tatum. Aos poucos, seu mundo vai se esgarçando e Chuck já não é mais o seu ídolo.

a-montanha-dos-sete-abutres_1951_04 - Copia (2)Filme discutindo a si mesmo, ou mídia a se questionar, temos aos borbotões. Mas A Montanha Dos Sete Abutres (Ace In The Hole, no idioma original) merece todo o crédito pelo seu caráter premonitório de um tempo em que a mídia assumiria o protagonismo espúrio de ora. Antever isso em ´51 não parece trivial e não o é. O final do filme mostra, no roldão da exibição dos caracteres típicos de uma cidadela, o trágico a permear a vida humana e o quão não temos o timão das nossas atitudes nem o leme do nosso destino. Qualquer paralelo traçado com o modus operandi da mídia contemporânea é inevitável. Retrato vislumbrado e, infelizmente, confirmado. Ao vivo e em ‘cores Noir‘.

Por: Morvan Bliasby.

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6 ideias sobre “A Montanha Dos Sete Abutres — 1951 — A Tragédia como Mercadoria da Audiência

  1. Pingback: Invasores De Corpos, 1956 — Alienígenas, Nós? | Blogue do Morvan

  2. revenger

    Morvam, boa noite!

    Não consigo resgatar uma história que vi na antiga TV Cultura sobre uma cooperativa algodoeira no Nordeste, que foi muito próspera. No documentário, com imagens da época (ops) e documentos, mostrava a escola, as casas populares de uma empresa cooperativa que era dirigida pelos próprios funcionários.

    Em determinada ocasião. pressionado por interesses ingleses, os políticos locais obrigaram à cooperativa vender suas instalações aos ingleses, que jogaram todo o maquinário no rio São Francisco (aquela velha prática de comprar uma fábrica, pra fechá-la).

    O povoado voltaria então à condição de penúria!

    Eu tentei Angicos, cooperativa e etc, mas o google apresente milhares de resultados e parace que a história será esquecida.

    Se souber dá um toque.

    Quanto à sugestão do filme, nota dez!

    Abraços!

    Resposta
    1. Morvan Autor do post

      Boa noite.
      Revenger, busquei também, até agora, em vão, pois a profusão de resultados do Buscador é que, ironicamente, torna mais difícil a própria.
      Mas vou tentar mais e qualquer coisa eu anuncio.
      Saudações democráticas.

      Resposta
  3. Valéria Miguez (LELLA)

    Pois é! Há um lado perverso no Jornalismo… O que é pior ainda que atualmente no Brasil, os detentores de 2/3 dele estão juntos para fazerem o país voltar no tempo onde todos se locupletavam dos cofres públicos, e deixando o povão à míngua…

    Resposta
    1. Morvan Autor do post

      Boa noite.

      Valéria Miguez (LELLA) (24 de fevereiro de 2016 às 19:35):

      Grata por compartilhar mais um dos seus texto!
      Outro brilhante texto!

      Sou eu quem agradece pela oportunidade de utilizar o espaço privilegiado do CEMP para discutir cinema. A propósito, compartilhei o Elo do Cinema É… no FB.
      Edit: falando em Elo de Ligação, editei os créditos. Havia esquecido fazer “linque”.

      Resposta

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