Arquivo mensal: novembro 2016

Invasores De Corpos, 1956 — Alienígenas, Nós?

Continuando nossa saga pelas análises, ousando ir além da ríspida sinopse, de alguns clássicos do cinema, sempre traçando um paralelo entre o contexto da época e o atual. Já fizéramos perscrutação de A Montanha dos Sete Abutres, Doze Homens E Uma Sentença, O Tambor, etc; chegou a vez de Invasores de Corpos, (Invasion of the Body Snatchers (Br: Vampiros de Almas ou Vampiros da Noite, Pt: A Terra Em Perigo) o original, de 1956, por Don Spiegel, baseado no livro homônimo de Jack Finney.
Só a título de informação, este obscuro filme B, transformado em “Cult” muito mais pelas polêmicas envolvidas, teve três refilmagens, todas bastante fieis ao livro, exceto o último, de 2007 (Invasores de Corpos, 1978; idem, 1993; e A Invasão, 2007).

Do enredo

Ao chegar à fictícia pequena cidade de Santa Mira, o dr. Miles Bennel reencontra sua antiga namorada, Becky Driscoll, ambos enfrentando problemas conjugais semelhantes, mas, mesmo dada a feição revivida por ambos, eles não dispõem de muito tempo para romance, pois logo ao chegar, dr. Miles atende a vários casos de pessoas com alegação que remete a histeria coletiva, alucinações e até mesmo à Sindrome de Capgras.

A cidade típica estadunidense é, aos poucos, invadida por seres de outro planeta, os quais têm uma forma de vagem, leguminosa gigante, até mesmo de pupa, um casulo, que seja. Tais vagens, após o processo de maturação, dão origem a cópias perfeitas dos humanos substituídos, sendo estas, porém, desprovidas de qualquer sinal de emotividade, senciência, empatia, enfim, desprovidos de qualquer traço de emoção, substituindo os moradores aos poucos e instalando um clima de aparente histeria em massa, como se já falou. Dr. Miles começa a ver que há algo além da histeria coletiva, pois Driscoll alega que sua prima, Wilma, tem os mesmos sintomas da turba, não reconhecendo seus familiares. Tem o caso do guri, logo no início, fugindo dos próprios pais e alegando que não são eles, são cópias fieis.
Além do mais, algo estranho acontece com os alegantes de estranheza dos familiares: eles começam a desmarcar as consultas, dizendo que foi engano.

As substituições vão se dando uma a uma, até só restarem os dois personagens centrais, e, na fuga desenfreada para fugir dos seres sem emoção, ou povo vagem, como seriam chamados, a seguir , Miles e Driscoll se deparam com caminhões transportando centenas de novos invasores, ainda, claro, em forma embriônica. Acionam as autoridades (o FBI. Começa aqui a teoria do enviesamento?). No final do filme, entre os carros em movimento na estrada, Miles corre, gritando ensandecido: eles estão invadindo, estão chegando, e vocês serão os próximos!.

Do Enviesamento Político do Filme

Para se antever, no filme, algum enviesamento, mister que se lembre de que o ambiente corresponde ao auge do macarthismo. Hollywood não ficaria fora, jamais, do crivo “democrata” do período (Eliah Kazan, Don Siegel, Charles Chaplin e outros sofreram as agruras de viver, até a própria morte, sendo acusados de propaganda ideológica e de alcaguetagem ou de sofrer toda a sorte de perseguições de então).
É fato que estávamos em plena era de caça às bruxas. Hollywood, fábricas, partidos políticos, escolas (sem partido?), nada, nada mesmo, escapava do macarthismo.
Mas, pondere-se, foi nesta época o “boom” de filmes de suspense, de terror, ficção científica e dramas. Foi uma década rica.

Muitos críticos, à época, viram forte enviesamento político-ideológico no filme, até mesmo por os figurões da indústria de cinema terem “adocicado” o final, colocando, a despeito do original, de Finney, um final menos distópico.

Siegel, em mais um instamento a falar sobre as conotações do filme, intencionais ou não, não as negou, mas pontuou que não era algo específico, e sim uma crítica à crescente falta de sensibilidade das pessoas para as artes, tristeza, dor, e que a menção ao Senador McCarthy e ao seu inclemente regime de caça às bruxas, perseguição política, no caso, seriam inevitáveis, mas, mesmo assim, o filme não a enfatiza, buscando, de modo sutil, subliminar, discutir o crescente ‘vegatatismo’ humano, ou seja, as pessoas estavam, aos poucos, se assemelhando com os esporos do filme. Em suas palavras, o filme não assumia, mesmo criticando visões de mundo, uma visão professoral.

De um modo ou de outro, o filme remete ao macarthismo, sim, às vezes sutilmente às vezes nem tanto. A posição que ele toma depende mais do ponto de vista do próprio expectador, pois o filme, com pouco orçamento para efeitos especiais, enfatizou, claro, o discurso, o clima claustrofóbico, o terror.
O filme de Siegel pode ser lido de uma forma mais clássica, mas também o pode como uma crítica bastante atual ao modus vivendi da juventude.
Quem nunca assistiu à cena ao ar livre de uma mesa repleta de adolescentes, nenhum conhecendo ou interagindo com o outro, ensimesmados com o seu “smartphone“, praticando prestidigitação, digo, conversa, “chat“?
O individualismo, o culto ao efêmero, o apego doentio às redes sociais, o desprezo à privacidade (deles e dos outros); Don Siegel atual?

Atualidade de Don, Vampiros…

Hoje, não poder sair às ruas trajando vermelho, aqui e algures, sem ser hostilizado por imbecis, vegetais controlados pela mídia, [m|v]idiotas, o culto ao fascismo, o “comunismo” detectado na bandeira nipônica, o direito do inimigo, onde qualquer decisão que prejudique aqueles apontados pelo poder midiático como tais, valem, não importa se juridicamente aceitável ou não, tudo isso provoca uma pergunta inelutável: Don Siegel, Vampiros de Almas, atuais?
E a Escola Sem Partido? Esta aberração, este terato inventado pelos senhores da guerra, para garantir a próxima geração de esporos? Virão eles, já com implantes, ou precisarão adquirir novos “smartphones“?
E você, viu o filme; se não, vai vê-lo? O que pensa de tudo isso?

1 Piada pronta? Se eles não queriam, sob qualquer pretexto, ser acusados de viés ideológico, porque um ator justo com o nome McCarthy?
2 Kevin volta a atuar na versão de 1978, não protagonizando.
3 Uma fala dos alienígenas, em sua raça, todos são iguais, pode ser menção ao modo de produção socialista ou até ao comunismo; não esqueça o clima de “Guerra Fria” de então. Mas, com um pouco mais de busca, também posso atribuir esta frase aos Borgs (Jornadas Nas Estrelas, A Nova Geração);
4 Uma das imagens promocionais do filme (Acesse-a clicando na primeira imagem do artigo; abre em outra Janela) torna impossível não evocar “Os Pássaros“, de Hitchcock, cujos enredo, fotografia, sugestão de invasão ideológica e clima claustrofóbico são bem similares.

Invasores de Corpos (ttc Vampiros de Almas), 1956 (IMDB).
Data de lançamento: Fevereiro 5, 1956 (Duração 1h 20min), Eua
Direção: Don Siegel
Elenco: Kevin McCarthy, Dana Wynter, Larry Gates
Gêneros: Terror, Ficção científica

Faleceu Fidel (O Homem); Sua História, Sua Luta, Perdurarão!

Faleceu nesta Sexta-Feira, 25 de Novembro, um dos mais importantes líderes mundiais. Nascido Fidel Alejandro Castro Ruz, mostrou ao mundo que é possível resistir aos impérios, sem se tornar um simples protetorado, mesmo tendo o azar de lhes circunvizinhar, criar seu próprio modo de repartir as benesses (e as dores) dos modos de produção de um país.
O Comandante Em Chefe da Revolução Cubana Faleceu às 22:29´ de hoje., anunciou Raul Castro, em declaração lida na Televisão Nacional; após o solene e breve anúncio, Raul evoca um tonitruante Até A Vitória, Sempre.
Em seguida, como parte do desejo do falecido Fidel, anunciou a sua cremação. Haverá nove dias de luto oficial, segundo se pode ler no Le Monde.
Para entender Fidel, mesmo com todo viés de uma escrita não-isenta (não as conheço!), pode-se ver sua trajetória aqui.
Para entender sua luta, é necessário que se pense no contexto cubano de antes da Revolução. Cuba era o paraíso dos estadunidenses, em todos os aspectos. Um testa de ferro vendilhão, como sempre o são (Fulgência Batista), uma sociedade empobrecida, explorada, vilipendiada, utilizada como bucha de canhão pelos “gringos”. Mulheres “fáceis”, “disponíveis”, “baratinhas, quase de graça”; o que um praça estadunidense haveria de desejar mais? O nome “puteiro” só deixou de referenciar Cuba após a queda do canalha pró estadunidenses.

Fidel, filho de rico fazendeiro, seria responsável pela maior revolução política nas Américas e por mudanças indeléveis no xadrez geopolítico da América latina, na África, Ásia, em todo o globo. Não admira a perseguição implacável advinda do império. A contrapartida é que, ao desafiar o império, outros pagarão com a ‘proteção ideológica’ deste. Os vários golpes militares, tão em moda no ´60 (Chile, Brasil, Argentina, Colômbia, etc.), e, ora, os golpes “com as instituições funcionando”, o que são, senão a garantia de não haver surpresas “antidemocráticas” (além, claro, de umas vantagenzinhas para a Matriz, como sói)? De qualquer modo, não se pode garantir que, sem Fidel ter tornado Cuba uma Nação soberana, não estivéssemos no mesmo atoleiro de ora.

Fidel criou em Cuba o que viria a ser o protótipo de um Sistema Social Universal de Saúde. A medicina mais avançada do mundo não o é por acaso. Garantiu, na prática, a universalização da Educação nos mesmos moldes da Saúde, melhoria de vida dos menos favorecidos, através de mecanismos legais.

Fidel e MandelaMas a luta de Fidel era maior do que Cuba, apesar de muitos obstáculos.

O seu maior legado, é, sem dúvida, ter tornado a bela ilha caribenha um país, mais do que isso, uma Nação. Cuba soberana, apesar da vizinhança nefanda.
Pode se dizer qualquer coisa de Fidel, menos que não amasse seu país. Foi graças à luta do grande líder que Cuba se tornou um local digno, bem distante do lupanar, em todos os sentidos, do testa de ferro Fulgêncio Batista. Sua luta serviu e servirá de inspiração a todos os libertários do mundo, pela luta contra o preconceito (lembre-se do quão importante o foi, na derrubada do Apartheid), a dominação, o servilismo, o o entreguismo, tão comum (e rentável, para alguns), por estas bandas.
Graças a Fidel, hoje é possível ir a Cuba e não se tratar de uma ida às chicas, literalmente.

Por fim, parafraseando um velho adágio do grande mestre, diria: — “Hoje, haverá mais uma estrela no firmamento, olhando, com carinho, para a América Latina. E, com certeza, não se trata de um de seus vendilhões. É a estrela da fidelidade latina…“.
Morre o homem Fidel. Suas ideias, porém, perdurarão enquanto houver a verdadeira humanidade.

Doze Homens E Uma Sentença, 1957

JulgamentoDoze Homens E Uma Sentença (Twelve Angry Men, USA; Doze Homens em Fúria, Portugal) é um drama sociológico-jurídico estadunidense profundo, típico desta época, quando o cinema arrecadava muito, mas não perdia a deixa de uma discussão profícua. Doze Homens vem nesta torrente. Começou como uma série, migrou para o teatro e, uma vez comprovado o sucesso, fez estrambótico retorno na telona, dirigido por Sydney Lumet e coproduzido por Henry Fonda, protagonista do épico, e Reginald Rose.
É um filme bastante estanque, mesmo que, acredite-se, não fosse este o intuito, não só pela finalidade escamoteada num tema simples, a priori, mas porque o autor estava mais, acredite-se, preocupado em extrair do que em inculcar.

Todo o filme (98%) do filme se passa na Sala do Juri, o que reforça o senso claustrofóbico e e evidencia as idiossincrasias dos jurados, cada qual com seu drama e seus filtros sociais. Misógino³, se se considerar que não há mulheres a não ser nos créditos da película. Os jurados são doze homens, mesmo que a lei não faça distinção de gênero. Apenas a Lei, em alguns Estados, constranja o resultado a uma decisão unânime para Culpado ou para Inocente, tendo ainda, nalguns Estados, a dissolução do júri, caso não se chegue ao consenso, e noutros a absolvição do réu.

Da trama:
Um jovem porto-riquenho é acusado de ter matado o próprio pai, indo a julgamento. Doze jurados são reunidos para decidir a sentença, com a orientação de que o réu não deve ser considerado culpado ou inocente a menos que haja decisão unânime e deve ser considerado inocente até onde não possa haver convicção de sua culpa. Onze dos jurados, após as explicações iniciais, do processo, votam pela condenação. Os diálogos e argumentações dentre eles demonstram muito claramente o peso social das suas crenças, com alguns evidenciando claramente o preconceito e a xenofobia contra o jovem. O jurado número 8, o sr. Davis, é o único que duvida da culpa do jovem e, enquanto tenta convencer os outros a repensarem a sentença, traços de personalidade de cada um dos jurados vão sendo revelados.
É remarcável a pressão dos outros jurados sobre o personagem Mr. Davis (Henry Fonda), o único a querer mais informações para poder formar sua convicção¹.
Aqui já é possível ao espectador mais atento observar como os princípios basilares do Direito estão ou deveriam estar presentes em todas as fases do Processo, como o “In Dubio Pro Reo“, ou “qual o custo social, jurídico maior: condenar um inocente ou absolver um culpado?“.
Capa do Original 12 Men
Alguns jurados vão, aos poucos, ponderar as dúvidas de Mr. Davis e vão, paulatinamente, dando margem a uma discussão rica. No início, vê-se claramente que a maioria votou só para se livrar da tarefa ou para não ter problemas de qualquer sorte, acompanhando a maioria. Efeito manada.

Não se sabe se foi intenção de Lumet, mas o filme traça um paralelo muito interessante com O Senhor das Moscas, ao conseguir retratar a sociedade dentro de um microcosmos (os jurados são escolhidos dentre “iguais”, comuns, e, por conseguinte, representam o pensamento mediano de determinada coletividade). O justo, o vingativo, o profissional que não consegue se desvencilhar dos seus hábitos laborais, o religioso, o paressadinho, quer mais é sair dali, não importa o que aconteça (com os outros), etc.
O final é surpreendente, pois mostra, além do triunfalismo do Sistema de Júri Popular, tão comum a este tipo de película, que a decisão, para qual seja o resultado, precisa ser unânime (novamente invoque-se aqui o princípio do custo da condenação injusta).

É um filme profundo, reitero. Fruto de uma época de ouro da telona. Grandes questões sendo discutidas e o diretor sempre colocando uma pitada de dúvida e de questionamentos sobre cada aspecto do tema. Vale a pena assistir, do ponto de vista filosófico, seja o audiente um estudioso das áreas afetas, principalmente do Direito, ou não.
No caso do Direito, vale a pena se debruçar sobre a questão da formação da convicção nos dois sistemas penais, brasileiro e estadunidense. No nosso caso, por exemplo, o Júri é formado por sete (7) jurados, com critérios parecidos com os de lá, em termos de recrutamento, mas, por ser número ímpar, depreende-se que se busca a maioria. Bom ponto de discussão.
Outro ponto de discussão: Mr. Davis (Henry Fonda) está, em todo o filme, buscando a verdade. Ele deixa muito claro que não se trata de absolver um culpado ou de simplesmente “mandar um latino para a linha de execução”, mas, enquanto não houver a convicção, não se pode simplesmente votar “Culpado” ou “Inocente”.
Outros jurados deixam, aos poucos, a ideia de que não estão buscando a verdade, e sim se livrar desta faina e voltar à sua faina ou ao seu jogo.
Outros mostram toda a carga de preconceitos, já tendo formado sua “convicção” pelas etnia e origem do garoto.

Até que ponto o nosso Direito é capaz de evitar estes pré-julgamentos, de evitar o “direito do inimigo”, principalmente agora, que atravessamos um período de insegurança jurídica inédito, em toda a história do Direito brasileiro? Temos mecanismos para permitir uma decisão isenta, sem o “lawfare“?
Se não, o que podemos fazer para tornar nosso Ordenamento Jurídico menos propenso aos humores dos que “fazem” o Direito? Teremos um dia um Ordenamento Jurídico para chamar de nosso?

A ver, com certeza. Um grande filme.²

DOZE homens e uma sentença (12 angry men) IMDB. Direção: Sidney Lumet. Produção: Henry Fonda e Reginald Rose. Roteiro: Reginald Rose. Intérpretes: Henry Fonda; Lee J. Cobb, Ed Begley; Jack Klugman, etc. EUA: Orion-Nova, 1957. 1 CD (96 min), DVD, son, color. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Constituição Federal. Filadélfia: Senado Federal, 1787.
¹ Sem lâminas de PowerPoint…
² A versão de 1997 vai ser exibida na TV por Assinatura, no início de Novembro. Vale uma olhadela, até porque o roteiro é bem fiel e o elenco é igualmente ótimo.
³ A versão de 1997 traz um Corpo de Jurados mais pluralista, mais representativo, etnicamente falando, porém ainda misógino, pois continua exclusivamente formado por homens. Reginald Rose fez um comentário jocoso, porém insuficiente para explicar (ele disse que, caso colocasse mulheres no Júri, haveria de mexer no título).